Sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre o caso Tavares Pereira
JURISPRUDÊNCIA
SENTENÇA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS SOBRE O CASO TAVARES PEREIRA
A Corte Interamericana de Direitos Humanos proferiu, em 16 de novembro de 2023, a sentença do “Caso Tavares Pereira e outros vs. Brasil. Exceções Preliminares, Méritos, Reparações e Custas” em San José, na Costa Rica. Na sentença, a Corte declarou, por unanimidade, que o Estado brasileiro é responsável pela violação dos direitos à vida, à integridade pessoal, à liberdade de pensamento e expressão, de reunião, da criança e de circulação, estabelecido nos artigos 4, 5, 13, 15, 19 e 22 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos em relação ao artigo 1.1 do mesmo instrumento, em detrimento de Antônio Tavares Pereira e 197 trabalhadores rurais. Declarou também que o Estado é responsável pela violação dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial, estabelecidos nos artigos 8.1 e 25 da convenção em relação aos artigos 1.1 e 2 em detrimento de Maria Sebastiana Barbosa Pereira, Ana Lúcia Barbosa Pereira, Ana Claudia Barbosa Pereira, Ana Ruth Barbosa Pereira, Samuel Paulo Barbosa Pereira, João Paulo Barbosa Pereira e 69 trabalhadores rurais. Na sentença, a Corte declarou ainda que o Estado é responsável pela violação do direito à integridade, estabelecido no artigo 5.1 da convenção em relação ao artigo 1.1 em detrimento da esposa e filhos de Tavares Pereira.
A sentença da Corte dispõe que o Estado fornecerá gratuitamente tratamento médico, psicológico e psiquiátrico aos familiares de Tavares Pereira e para as outras vítimas. As instituições estatais também devem publicar a sentença, realizar um ato público de reconhecimento de responsabilidade e divulgar a sentença. O Estado deve incluir um conteúdo específico na grade curricular permanente de formação das forças de segurança que atuam no contexto de manifestações públicas no Paraná e deve adequar o seu ordenamento jurídico relacionado à competência da Justiça Militar aos princípios estabelecidos na jurisprudência da Corte Internacional. A sentença determina o pagamento de indenização por danos material e imaterial pelo Estado, assim como o reembolso de custas e despesas. O Estado deve também adotar medidas para proteger de maneira efetiva o Monumento Antônio Tavares. O Estado brasileiro deve entregar um relatório até novembro de 2024 sobre as medidas adotadas no cumprimento da sentença, que serão supervisionadas pela Corte Internacional.
Em 1º de janeiro de 2004, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a Comissão Pastoral da Terra (CPT), Justiça Global e Terra de Direitos apresentaram a petição inicial à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Em 2009, a Comissão aprovou o relatório de admissibilidade e, em 2020, aprovou o relatório de mérito. A Comissão solicitou então que a Corte Internacional declarasse a responsabilidade internacional do Estado do Brasil pela violação dos artigos 1.1, 2, 4.1, 5.1, 8.1, 13, 15, 22 e 25.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
O caso Tavares Pereira
No relatório da sentença, consta que, no dia de 2 de maio de 2000, aproximadamente 50 ônibus com trabalhadores rurais, inclusive crianças, se deslocaram para Curitiba, capital do Paraná, com a
intenção de participar de uma marcha pela reforma agrária em frente ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). A Secretaria de Segurança Pública do governo do Estado do Paraná instruiu a Polícia Militar (PM) a parar e revistar os ônibus. Em um desses bloqueios, aconteceram disparos de armas de fogo, sendo que um dos projéteis de um soldado da PM ricocheteou no chão e atingiu Antônio Tavares Pereira no abdômen. A polícia não socorreu o manifestante, que foi levado para o Hospital do Trabalhador por um casal que passava pelo local de carro. Em seguida, o comandante da PM deu ordem de desobstruir a rodovia com bombas de gás lacrimogênio, balas de borracha, cães, cassetetes e armas de fogo. Nos autos do processo, consta que 197 pessoas foram afetadas e 69 ficaram feridas, entre elas uma criança de 4 anos. Não consta nos autos que policiais ficaram feridos.
Na investigação sobre a morte de Tavares Pereira, o Ministério Público Militar solicitou o arquivamento por considerar que o policial “agiu em estrito cumprimento do dever legal, em legítima defesa própria e de terceiros, e em estado de necessidade”. Em 17 de abril de 2003, a 2ª Câmara do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJPR) determinou o arquivamento da ação penal na justiça criminal comum. A família de Tavares Pereira pediu uma ação de indenização contra o estado do Paraná, e uma pensão foi concedida em decisão do TJPR para a esposa e os cinco filhos da vítima.
O Monumento Antônio Tavares Pereira, projetado pelo arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer, foi construído à margem da rodovia BR 277, no km 108, no município Campo Largo, como símbolo de preservação da memória para celebrar o trabalho das pessoas defensoras dos direitos humanos, em particular do acesso à terra. O MST tem presença em 24 estados das cinco regiões do Brasil, com participação de aproximadamente 450 mil famílias.